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Foto do escritorAugusto Amstalden Neto

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 6363 E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 936/20

Notas Sobre a Decisão do Ministro Ricardo Lewandowski

Para uma compreensão do que foi decidido liminarmente pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, faz-se necessário entender a razão da impugnação feita à Medida Provisória que, dentre outras questões, autoriza a negociação individual da redução salarial.


O sistema de normas do Brasil, e de boa parte do mundo ocidental, estabelece-se dentro de uma organização verticalizada, isso significa que cada norma jurídica (Leis, Decretos, Medidas Provisórias, etc.) encontra seu fundamento de validade na norma jurídica imediatamente superior.


Dentro dessa organização verticalizada, o ápice do fundamento de validade das normas é a Constituição Federal, o que culmina no reconhecimento de que todas as normas jurídicas devem estar fundamentadas na norma constitucional.


A análise feita para verificação da fundamentação de uma lei ou medida provisória em relação à Constituição é o que se denomina Controle de Constitucionalidade.


Fixada essa premissa, o leitor pode compreender a discussão que a Medida Provisória nº 963/2020 fez surgir na seara jurídica, notadamente porque, a Constituição Federal, em diversas passagens, veda a negociação individual para fins de redução salarial.


Nesse sentido, cita-se, ao menos, a seguinte passagem:


Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Ou seja, aparentemente, a Constituição Federal estabelece que a redução salarial só poderá ocorrer se previsto em “convenção ou acordo coletivo”, o que demanda a necessária participação do órgão sindical.


O próprio Ministro Lewandowski esclarece a razão de ser da citada exigência, referindo-se ao que ele chama de “assimetria do poder de barganha” entre o empregado e o empregador.


Aparentemente contrariando a exigência constitucional de participação sindical para negociações que impliquem em redução salarial, a Medida Provisória nº 963/2020 dispôs:


Art. 7º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até noventa dias, observados os seguintes requisitos:

I - preservação do valor do salário-hora de trabalho;

II - pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos; e (...)


Então, dentro de uma análise superficial, a inconstitucionalidade da Medida Provisória (sua incompatibilidade com a Constituição Federal) deveria determinar o reconhecimento de sua invalidade.


No entanto, o Ministro fez ainda outras ponderações, notadamente por considerar a necessidade de cautela diante das “graves proporções assumidas pela pandemia da Covid-19”.


O Ministro se refere, inclusive, à posição da Organização Internacional do Trabalho que entende que “o diálogo social tripartite, envolvendo governos, entidades patronais e organizações de trabalhadores constitui ferramenta essencial para o desenvolvimento e implementação de soluções sustentáveis, desde o nível comunitário até o global”.


Com a cautela que o Ministro pontua necessária, entre declarar a invalidade da Medida Provisória nº 963/20 e propor uma interpretação que estivesse de acordo com a norma constitucional, o Ministro, ciente da necessidade de manutenção da MP, escolheu a segunda opção e, por isso decidiu:


Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes.


Em sua decisão liminar, o Ministro preservou a validade e aplicabilidade da Medida Provisória, no entanto, impôs a obrigatoriedade da comunicação sobre o acordo individual ao órgão sindical, no prazo de 10 (dez) dias corridos.


Por fim, cumpre salientar que a discussão é precária, podendo ser reformada ou confirmada posteriormente e, certamente, haverá muita discussão jurídica sobre o assunto, notadamente por que uma considerável parcela dos cientistas jurídicos consideram que só há necessidade de participação sindical na negociação de salário quando a referida redução importar diminuição do salário-hora, no entanto, tal discussão foge ao escopo da pretensão do presente texto.

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